Existem estilos arquitetônicos mal-quistos no decorrer histórico. Em geral, o apogeu de um movimento significa o ocaso de outro. Com o passar do tempo, pode ser que a situação se inverta, como no caso do pós-modernismo, que divide opiniões desde seu surgimento, mas que experimentou um revival nas primeiras décadas dos anos 2000 (ou talvez não). O distanciamento temporal contribui para a revisão da relevância de certos estilos, e avaliação de suas qualidades – ou problemas.
O ecletismo é certamente um desses casos controversos. O nome denota uma atitude artística que mistura elementos de diversos períodos e estilos artísticos em uma única obra. Na arte, esse sincretismo compositivo já se notava desde o século XVI. Na arquitetura, essa mistura estilística foi predominante no século XIX e início do século XX.
Tanto na arte quanto na arquitetura, as críticas se apoiam na falta de originalidade, descontextualização e banalização de características valorosas – ainda mais quando amalgamadas com outras, que podem ou não ser provenientes de estilos “opostos” – e o resultado maximalista em si, especialmente na arquitetura. É possível que as críticas tenham suas razões de ser, mas dentro do contexto e postura da arquitetura eclética existem pontos interessantes que demonstram uma atitude artística muito contemporânea, por incrível que pareça.
Um dos fatores que instiga a imaginação – e consequente exploração – é o desenvolvimento de novas tecnologias. A Revolução Industrial permitiu a produção de materiais de construção em grande escala, como ferro e vidro, e junto com esse avanço tecnológico, a área da engenharia também passa a aprimorar-se. Simultaneamente, ou talvez consequentemente, a urbanização das cidades acelera, e as possibilidades de experimentação construtiva com esses materiais se amplia. Assim, parte da linguagem eclética diz respeito à introdução de materiais novos ao contexto da época através das formas estéticas vigentes.
A arquitetura dominante do período era aquela ensinada nas escolas de Belas Artes: baseada na Antiguidade Clássica, grandiosa, simétrica e imponente. O cunho historicista já anuncia a famigerada atitude apropriadora da arquitetura eclética. Se o exemplo a ser seguido é uma retomada histórica, com a disponibilidade de novos materiais, por que não explorar o que outros períodos históricos teriam a oferecer em termos de plasticidade e uso da nova matéria prima? Os frontões e colunas gregas misturam-se a ornamentos barrocos e abóbadas góticas, mas não se limitam a eles. A história torna-se repositório de soluções a serem combinadas entre si.
Curiosamente, a busca de exemplos históricos para a composição arquitetônica foi um tema altamente disputado entre os anos 1960-80, que coincidentemente ou não, localizam o pós-modernismo. A retomada histórica é sempre ambígua. O retorno a um período anterior pode vir cheio de intenções de recuperação de valores ou determinados estágios sociais – os adjetivos atribuídos à arquitetura neoclássica atualmente são prova disso –, e as formas terminam servindo como símbolos de uma ideia. No caso da arquitetura eclética, os ornamentos e inspiração clássica indicavam o refinamento e progresso idealizados do momento.
A experimentação combinatória para criar novas formas de expressão abre precedentes para projetos inesperados, que por vezes beiram o estranhamento, mas que indicam certa disponibilidade criativa para uma linguagem nova. Além disso, essa postura também permite que cada local adicione e combine elementos de suas culturas e contextos particulares, ou apropriadas de outras culturas (atitude recorrente e, felizmente, cada vez mais questionável). Afinal, os modelos que serviam de base para o ecletismo eram hegemônicos, e a mistura com elementos de culturas ou povos marginalizados acabavam aparecendo exotizados ou interpretados à maneira europeia. Por exemplo, a Universidade de Birmingham, de Sir Aston Webb e Ingress Bell, se vale de elementos bizantinos em sua forma.
O academicismo e rigor europeus renderam à arquitetura eclética exemplares canônicos como a Opéra de Paris, de Charles Garnier, e a Gare d’Orsay, de Victor Laloux, Lucien Magne e Émile Bénard – transformada em museu em 1971 por Gae Aulenti. A primeira inspirou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, de autoria mesclada de Francisco de Oliveira Passos e Albert Guilbert, um dos marcos da modernização da então capital do Brasil. A Biblioteca Nacional, de Francisco Marcelino de Souza Aguiar, também marcava a entrada no século XX, tão promissor. Em São Paulo, a arquitetura eclética é “inaugurada” com o Museu do Ipiranga, de Tommazio Bezzi, mas teve um dos seus maiores expoentes no arquiteto Ramos de Azevedo, responsável pelos edifícios do Theatro Municipal, Liceu de Artes e Ofícios (atual Pinacoteca do Estado de São Paulo) e Estação da Luz.
Associada a uma classe social específica, a arquitetura eclética passou a ser rechaçada com o surgimento do modernismo. A nova linguagem artística rompia radicalmente com seus antecessores, e a exploração formal levou a usos muito mais impactantes dos materiais surgidos ao longo dos anos ecléticos. Entre acertos e erros, inspiração e apropriação, talvez interesse refletir a respeito da atitude criadora da arquitetura eclética como combinação genuína de elementos provenientes de períodos ou locais diferentes. Se o campo da arte contemporânea mescla materiais, objetos e até experiências como forma de abrir novas leituras a respeito do mundo, por que a arquitetura não poderia fazer o mesmo?
Não é necessário voltar ao historicismo ou encarar a história da arquitetura como um catálogo de soluções, muito menos utilizar elementos sem compreender seus significados e contextos. Mas é preciso saber que os signos transmitem mensagens, e é preciso saber quais mensagens se quer propagar. Experimentar com formas, materiais e usos diversos – sem que isso implique em pastiche ou que recaia em julgamentos rápidos de “má-arquitetura” ou desvirtuação – pode enriquecer a prática profissional e resultar em edifícios surpreendentes. Com sorte, de maneira positiva.